
Com pouco tempo de atuação, a nova composição da Câmara Municipal de Goiânia já dá sinais de quais temas devem dominar as discussões ao longo do mandato. O destaque até aqui é do vereador Coronel Urzêda (PL), que, ao lado de Daniela da Gilka (PRTB), figura entre os parlamentares mais produtivos em termos de projetos apresentados. No entanto, mais do que a quantidade, é o conteúdo de suas proposições que promete acirrar os debates e aprofundar a polarização na Casa.
Autodeclarado conservador e patriota, Urzêda tem apostado em pautas ideológicas que ressoam com parte significativa de seu eleitorado. O projeto que confere aos pais o direito de vetar a participação de seus filhos em atividades pedagógicas sobre gênero e diversidade sexual levanta preocupações sobre a limitação do acesso à educação inclusiva e o impacto na formação dos alunos. Sob o argumento de defesa da família e dos valores tradicionais, a proposta também estabelece penalidades severas para as instituições de ensino, o que pode gerar insegurança para educadores e gestores escolares.
Na mesma linha, outro projeto busca restringir materiais considerados “impróprios” nas escolas municipais, estabelecendo um filtro de conteúdo com base na adequação etária e nas diretrizes pedagógicas. Contudo, o conceito de “impróprio” pode abrir espaço para subjetividade e censura de materiais que promovem diversidade e pensamento crítico. Ainda no campo de suas bandeiras, Urzêda também propõe a criação da Semana Municipal de Conscientização sobre as Consequências Psicológicas do Aborto, um tema que, apesar de relevante, é tratado de forma unilateral, sem contemplar a complexidade da saúde pública e os direitos reprodutivos das mulheres.
Para além das questões sociais, o vereador propõe uma medida de caráter simbólico, mas com forte apelo ideológico: a execução obrigatória do Hino Nacional no início das sessões da Câmara. Embora não haja impedimentos para a execução do hino, a obrigatoriedade levanta questionamentos sobre a necessidade de reforçar símbolos nacionalistas em detrimento de debates mais urgentes para a cidade.
Por outro lado, a resistência à diversidade de pautas na Casa fica evidente nas manifestações de Edward Madureira (PT). O petista, que ainda inicia sua jornada no Legislativo municipal, já sente dificuldades para avançar com propostas da esquerda. Segundo ele, circulam informações de que um acordo entre os vereadores de direita poderia dificultar a aprovação de projetos de sua ala política. “Espero que não seja assim. Eu não tenho nenhuma dificuldade em aprovar projetos da direita, até porque a direita é maioria aqui. Eu espero reciprocidade”, pontuou. Se confirmado, esse cenário pode significar uma gestão legislativa marcada pela imposição da maioria, dificultando a construção de consensos e o debate plural.
Enquanto isso, Daniela da Gilka tem concentrado seus esforços em propostas de cunho social, voltadas para a pessoa idosa, crianças e adolescentes. Dr. Gustavo (Agir), por sua vez, mantém um foco mais pragmático, com projetos voltados para a saúde pública e a segurança. Uma de suas iniciativas prevê a obrigatoriedade de treinamento específico para funcionários que lidam com pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em espaços de grande circulação, uma medida com impacto direto na inclusão e na acessibilidade.
Outro destaque recente é o projeto do vereador Markim Goya, que propôs a identificação precoce de autismo em alunos das escolas municipais. A iniciativa busca implementar estratégias para diagnosticar e oferecer suporte adequado a crianças com TEA, garantindo um ambiente escolar mais inclusivo e preparado para atender suas necessidades específicas. A medida tem respaldo técnico e responde a uma necessidade concreta das famílias.
Seguindo a tendência de pautas alinhadas ao conservadorismo, a vereadora Leia Klebia apresentou um projeto que prevê a realização do “Intervalo Bíblico” nas escolas municipais. A proposta visa criar um espaço para que alunos interessados possam ter um momento de leitura e reflexão sobre textos bíblicos durante o intervalo escolar. No entanto, a iniciativa levanta questionamentos sobre a laicidade do ensino público e a necessidade de garantir a diversidade religiosa no ambiente escolar, sem favorecimento de uma crença específica.
O panorama que se desenha para os próximos meses é o de um Legislativo municipal marcado por disputas ideológicas, onde pautas identitárias e conservadoras têm dominado a agenda. A grande questão que se impõe é até que ponto essa ênfase em embates ideológicos contribuirá para a solução de problemas estruturais da cidade ou apenas reforçará a polarização política dentro da Câmara. Se a maioria governista se fechar ao diálogo, Goiânia pode acabar refém de um Legislativo mais voltado a disputas ideológicas do que a demandas concretas da população.