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O Direito de Protesto e o Estado Democrático de Direito

Direito ao protesto

Protestos, de acordo com o sociólogo americano James M. Jasper, são ínsitos a própria natureza humana, sendo reconhecidos pelo Estado Democrático de Direito até mesmo para situações de limítrofe ilicitude, como por exemplo a “marcha da maconha”, autorizada, com as devidas ponderações, pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADPF n.º 187.

Os atos do dia 08 de janeiro podem ser entendidos como protesto sim, entretanto, eles ultrapassaram os limites da legalidade e da razoabilidade ao afrontarem a existência do próprio Estado Democrático de Direito que assegura a legitimidade de reivindicações coletivas, especialmente ao promoverem atos de vandalismo e depredação nos prédios públicos que abrigam os poderes constituídos de nossa república.

É oportuno enfatizar, inclusive, que na redação original da Lei n.º 14.197/2021 que instituiu o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, foi vetada a instituição do crime de atentado ao direito de manifestação (Art. 359-S), demonstrando a preocupação e a insegurança jurídica na definição do que é protesto e até onde ele pode ser exercido dentro dos limites legais.

O contrato social, idealizado e teorizado por Hobbes, Locke e Rousseau, é um pacto que assinamos para o convívio em sociedade desde o dia em que temos o nosso nascimento registrado, sendo representado, simbólica e contemporaneamente, pela Constituição de cada país. É nela que teremos previstos quais são os direitos fundamentais de cada cidadão, como funcionará o nosso governo, a nossa legislação e a nossa própria justiça.

Um trecho do eloquente discurso de Ulysses Guimarães, presidente da assembleia nacional constituinte, é didático e exemplificativo da afronta que os atos do dia 08 de janeiro representam em meio ao simbolismo de nossa Constituição, do contrato social tupiniquim, e da relevância dos protestos por mudanças:

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

Não obstante a didática retórica de Ulysses Guimarães, é preciso deixar mais claro, os atos antidemocráticos pretendiam destruir todo um sistema social e jurídico construído a duras penas durante o processo de redemocratização de nosso país, representando uma afronta a coletividade e ao próprio Estado Democrático de Direito, além de caracterizar o crime previsto no artigo 359-L do Código Penal Brasileiro, incluído pela Lei n.º 14.197/2021.

Neste sentido, muito embora se possam fazer críticas pontuais a competência do Supremo Tribunal Federal na apreciação e julgamento dos fatos cometidos no 08 de janeiro para pessoas sem foro por prerrogativa de função, e, eventualmente, a própria consunção dos tipos penais envolvidos, é inegável que os processos são necessários e os crimes são evidentes, especialmente após a vigência da Lei n.º 14.197/2021, ensejando a responsabilização dos autores diretos, dos financiadores e dos instigadores.

Por outro lado, o Congresso Nacional também se mobilizou após os ataques aos três poderes da república, instaurando uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI, delimitando o objeto de investigação no “objetivo de apurar as responsabilidades pela invasão da Sede dos Três Poderes, buscando esclarecer quem planejou, executou e se omitiu, quando por força legal deveria ter agido para evitar o ocorrido, contribuindo, assim, para a individualização das condutas com vistas à aplicação das sanções cabíveis” .

A CPMI ajudou, apesar do clima de polarização, no esclarecimento de inúmeros fatos, resultando, por exemplo, na demissão do Ministro General Gonçalves Dias do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) já na fase preliminar de instauração da comissão parlamentar.

Enquanto especialista em direito constitucional tive a oportunidade, em 2022, de registrar caminhos para evitar, no Brasil, a reprodução das cenas antidemocráticas do Capitólio em 2021[1], ponderando, neste momento, que nenhuma alteração legislativa será empreendida, com a finalidade de reprimir o direito ao protesto, após a aprovação do relatório final da CPMI e da conclusão dos julgamentos do 08 de janeiro pelo Supremo Tribunal Federal, entretanto, estes fatos históricos serão importantes para consolidação e reforço da vigência da Lei n.º 14.197/2021, esclarecendo a importância do Estado Democrático de Direito na consciência coletiva brasileira, além de delimitar, objetivamente, até onde vai o direito à manifestação e ao protesto.

Ovídio Neto Ovidio Neto

Ovídio Inácio Ferreira Neto, professor universitário e advogado especialista em Direito Constitucional. Mestre em Direito Internacional.


[1] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/06/5016444-judiciario-contra-risco-de-golpe.html

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